Entre os aspectos de beber vinho, nenhum é mais confuso do que a questão da idade. Os mitos são muitos: todos os tintos requerem tempo para maturação; todos os brancos devem ser bebidos jovens e, em particular, todos os champagnes devem ser imediatamente consumidos.
Há quatro anos foi feita uma consulta à Billecart-Salmon, sobre o estado de algumas safras mais antigas dessa venerável Maison da Champagne. Ficamos surpresos com o e-mail resposta, datada de 9 outubro de 2001, assinada por Christine Oudinot: “Informamos que as garrafas datadas 1979, 1982 ou 1989 podem ser guardadas por algumas dezenas de anos. Esses são grandes milésimos. Para lembrar, o Billecart-Salmon safrado de 1959 obteve o primeiro lugar numa degustação confrontando os melhores champagnes do século XX, e o champagne tinha sido dégorgée* em 1966!”.
Dos grandes vinhos, o champagne talvez seja o mais louvado por sua frescura e vitalidade, mas pode também ser um vinho de complexidade que desenvolve nuanças e caráter ao longo dos anos. Dois são os estágios de envelhecimento: sur lies (em contato com as borras resultantes da segunda fermentação) e antecedendo o dégorgement. O segundo estágio, após o dégorgement, ocorre na garrafa, em contato com a rolha definitiva. O envelhecimento sur lies dá-se num ambiente anaeróbico (ausência de oxigênio), resultando num vinho com maior frescura e vivacidade. No segundo estágio, o vinho está em contato com oxigênio suficiente, absorvido durante o dégorgement, o que torna o processo oxidativo. Produz-se, então, um vinho que escurece lentamente, perde um pouco das bolhas e assume aromas de caramelo e tostado, características da chamada madeirização.
Um outro aspecto pouco explorado é o fato de que, com a idade, a uva Chardonnay passa a expressar aromas de nozes, brioche, pâtisserie, toffee e mel – qualidades que acrescentam riqueza, mas só desabrocham com o tempo. Apesar de ser a única branca, a Chardonnay é a uva de mais longa maturação, das três permitidas na elaboração do champagne.
Serena Sutcliffe, diretora da divisão internacional de vinhos da Sotheby’s, renomada autora e expert em champagne, gosta de tomar seu champagne maduro: “pleno de mel, manteiga, apricot e sorvete de baunilha”. Em matéria na revista Decanter, ela explica porque vale a pena esperar para tomar champagnes millésimées. Abordando o tema, ela se pergunta: por que maturar o champagne?
A resposta lógica é de somente fazê-lo se você realmente aprecia o gosto do champagne maduro e mais desenvolvido. No entanto, para quem aprecia a explosão de bolhas, o frescor e a vivacidade presentes tanto num NV como num millésimé recém-liberado, cheios de juventude, então deve-se tomá-los na noite da compra. Sutcliffe não tem nada contra esse costume e concorda que um champagne jovem é certamente mais adequado para festas e celebrações, nas quais um champagne mais complexo passaria desapercebido. “Mas descartar a oportunidade de experimentar um champagne com idade em garrafa, após o dégorgement, é jogar fora um dos grandes prazeres que o vinho pode propiciar”. Serena Sutcliffe lembra que entre os ganhadores do Great 1999 Millenium Wine Tasting, realizado em Stockholm, todos eram champagnes com idade média de 40 anos, estagiados em madeira durante o processo de amadurecimento.
Entretanto, nessa magnífica degustação, houve champagnes que não estagiaram em barricas de carvalho: Perrier-Joüet Belle Époque 1985 é um primoroso exemplo, assim como o perfeito Cristal 1985 da Maison Roederer. Também, o Cristal 1966, embora maduro com aromas de brioche e açúcar queimado estava surpreendente; Dom Ruinart Blanc de Blancs apresentava doçura, bela maturidade e finesse.
Batendo o martelo
Evidentemente esta não é uma expressão isolada de opinião ou gosto. Por exemplo, em sua edição hebdomadária de 20 novembro 2004, o Le Figaro Magazine, Paris, trouxe extensa matéria sobre a bebida, incluindo uma longa entrevista com Olivier Poels, melhor sommelier do mundo de 2000. Poels afirma: “um Brut Sans Année-BSA (é assim que os franceses designam um NV) bem elaborado pode ser guardado por uns 15 anos”. E sobre os millésimées? “Eu sou fanático por eles. Acho que os champagnes são bebidos muito jovens. Com a idade, os belos milésimos ganham complexidade”.
Não podemos deixar de mencionar o champagne Veuve Clicquot safra 1911, servido com o sorbet, no suntuoso jantar oferecido pelo Shah Reza Palahvi, em 1971, para comemorar os 2500 anos do império Persa, na cidade histórica de Persépolis. Este foi servido aos milhares de convidados, em tendas refrigeradas especialmente montadas para a celebração. Na ocasião, um champagne com 60 anos!
Já os simples mortais, podem conferir o restaurante Vigneron, de Reims, capital da Champagne, onde estão sediadas algumas grandes Maisons – um local antológico para comprovação da teoria do envelhecimento. O Vigneron ostenta um impressionante acervo e estoque de velhos champagnes, presentes na sua carta de vinhos. Mas há que estar preparado para gastar algumas centenas de Euros por garrafa. Porém, para os champagnes NV usuais, a recomendação é clara. Tome-os o quanto antes, pois geralmente não são feitos para guarda.
Fonte Revista Adega-Edgar Rechtschaffen*